amor é
aguentar a sujeira
das tuas boas intenções
À paz do cosmos
gira gravidade
Ao silêncio da poeira
irradiada
presto uma reverência
Vibram esferas
dentro de uma noite
interminável
Se deixar
não faço mais nada
Todo cigarro é o último
Até comprar mais um
Drago do fundo
Soprpo remorso
Reviro estômago
Exponho os bofe
Mas vem a raiva
A
falta
Tristeza e saudade
Que sufoca a boca
Embaça a vista
Que nem fumaça
Põe as cigarras
Em pranto
Uma lambança
Chuva, lama, furacão
E cai o relâmpago:
Clarão e estala o chicote
Na força
A roda não gira
Empena
No soco a vida
Não muda
Desapega
E releva
Parte pruma outra
Refrega
Aos murros
A vida não muda
O giro
Circunda o mesmo
ponto
Aconteceu a mais de uma década.
Eu voltava do trabalho por volta das cinco da tarde de
uma segunda ou terça feira. Pra escapar da fadiga, do engarrafamento e do
transporte lotado parei para uma hora no meu bar do centro favorito. Sentei
sozinho, enchi um copo e saquei Sancho Pança (como chamo um bloco de notas que
sempre carrego comigo).
É meu ritual frequente: ouvir o rugir dos motores,
sentindo a confluência de gente cortando as calçadas e divagar no papel como
quem finge que não quer nada, mas espera encontrar algum tesouro enterrado no
fundo da mente.
O dono do bar era uma figura característica: avental
branco, flanela de limpar dependurada no ombro, barriga rotunda,
calvo, brancos bigodes de morsa. Eu conhecia o sujeito das minhas idas e vindas
e do que (para mim) parecia ser sua constante presença ali. Trabalhava no bar
de domingo a domingo desde antes de eu ter idade pra beber. Tinha a mesma
aparência desde a primeira vez que pus os pés no segundo andar do edifício
Maletta por volta dos meus dezoito anos. Ele também me conhecia de vista,
cumprimentava quando eu entrava, mas não sei se sabia meu nome.
Nesse dia havia algo de diferente nele porque parou
ao lado da minha mesa. Senti que queria puxar papo – coisa que acontecia de vez
em quando pra comentar de futebol ou alguma amenidade. Quando olhei no seu
rosto havia um sorriso que eu não interpretei de imediato, mas que depois
interpretei como uma tristeza agridoce. Não sei por que me contou o que contou
nem se era seu costume falar daquelas coisas com os clientes, mas acho que ele
reconheceu em mim alguma saudade mal guardada.
“Faz mais de trinta anos que não vejo o amor da
minha vida” ele começou. “Sou casado e ela também. Nossas cerimônias
aconteceram no mesmo dia, acredita?”
Eu tentava não arregalar os olhos de surpresa.
Perguntei alguma coisa que o fizesse continuar a história.
“Quando nos casamos, cada um com sua metade, paramos
de nos falar. Depois eu me mudei para Belo Horizonte e uns cinco anos depois
ela e o marido foram para o Nordeste. Hoje é aniversário dela e eu me lembro desta
data todos os anos.”
Eu devo ter conversado de volta.
“Eu me lembro dela todos os anos” ele repetiu. “será
que ela também pensa em mim?” Foi aí que reconheci o sorriso: misto de
vergonha, orgulho, saudade, felicidade e tristeza. Perguntei o nome dela e ele
me contou. Falou que amava muito a esposa, mas que também amava a outra.
Perguntou (mais pra si mesmo do que pra mim) o que teria sido da vida dele se
tivessem se casado um com o outro. Teriam sido felizes? Teriam se amado, tido
filhos? Eu não soube o que dizer.
Depois voltou ao serviço e me deixou ali com a
caneta na mão. Será que eu escreveria sobre ele? Naquele dia não. Foram muitos
anos destilando nossa conversa, aquele momento único de intimidade entre nós.
Seis e meia da manhã e falta quinze minutos pra sair. Vou à pé, demoro quatorze minutos pra chegar e chego um minuto adiantado. É assim.
Seis e quarenta dá aquela vontade de ir ao banheiro. Tenho cinco minutos pra cagar.
Demorei seis, fiz o trajeto em onze, cheguei dez minutos atrasado.