domingo, 16 de maio de 2010

Black Manchester (Manchester Noir)

A fumaça do cigarro cobre minha visão por alguns instantes confusos. Minhas mãos estão ocupadas demais segurando as cervejas, então deixo o cigarro pendurado na boca por enquanto. Isso mesmo amigo. Cervejas. No plural. Não sei por que cargas d'água a gostosa da July resolveu aceitar meu convite justo hoje. No início eu achei que seria um problema, já que hoje é a final do campeonato e o Manchester é o favorito, mas a garota pareceu bem disposta a vir pro pub sujo onde eu assisto os jogos. Bom, não vou mesmo questionar a sorte. July e Manchester.

-Dois 'pints' de cerveja. Um pra mim, outro pra você. - Coloco as cervejas na mesa. Qual o problema das mulheres em sentar no balcão, afinal de contas? Fica mais perto da TV! Tiro o cigarro da boca e me sirvo de um punhado de amendoins.

-Você fuma demais, sabia? Devia parar! Isso faz mal! - Ih, saco! O velho papo do cigarro. Isso me enche o saco. Qualquer um seria uma chaminé ambulante se tivesse o emprego que eu tenho. Detetive particular. Igualzinho ao velho Holmes, meu caro. Se a July não fosse tão gostosa e não tivesse só vinte e dois anos, eu não aguentaria um minuto de reclamação. Por isso eu faço a coisa mais madura pra esse tipo de ocasião: ignorar a falação e prestar atenção no jogo, concordando com a cabeça de vez em quando. Entre um passo mal feito e outro tiro alguns segundos pra olhar o decote dela. Tamanho 44, pela merda de Jesus.

-Ei Will! Tá me escutando? O que acha de ir em uma galeria de artes comigo essa Sexta? Eu tenho um convite sobrando e... Bem, você vai ter que arranjar uma roupa. É de gala.

-Claro docinho. - É um jogo importante. Não posso ficar dando atenção pra July assim. Engraçado, nunca conheci uma mulher que ficasse calada durante um jogo de futebol. Tirando a Cindy, claro, mas ela tem 130 quilos de pura gordura. Ugh.

-Sabe, Will, um dia a gente podia sair pra jantar... Tipo, em um lugar legal. - Odeio quando mulher reclama do pub. Maneio a cabeça de leve. É um jogo tenso e o Manchester teve um primeiro tempo fodido de ruim. É nessa hora que eu me amaldiçôo por ter seguido a carreira de detetive criminalista investigativo. É de se esperar que você tenha bons contato, não é? Acesso a informação privilegiada, esse tipo de coisa. Bom, deixa eu te dizer uma coisa meu chapa: eu acionei cada contato que eu tenho pra descobrir pra descobrir alguma dica sobre o jogo, mas tudo o que eu ouvi foram boatos sobre russos em operações ilegais e misteriosas. E eu lá quero saber de russos? Russos pagam a minha cerveja? Com metade das minhas economias apostadas no Manchester eu não tenho a menor paciência pra russos. Merda.

-Tem um restaurante francês... Abriu recentemente, sabe? Fica perto da galeria... Se você fizesse as reservas hoje acho que a gente consegue lugares pra Sexta... - Metade das minhas economias no brejo e ela quer que eu pague um jantar caro no restaurante de Pierre Pierrot, o maior trapaceiro nas mesas de pôquer ilegal de Londres. O desgraçado me arrancou a outra metade das minhas economias semana passada.

-Claro, docinho! Vou ligar pra lá assim que chegar em casa.- Tento me focar nas coisas boas da July. Seios 44. Doze anos mais nova. Vai ser um bom encontro, se ela não pirar com o restaurante chinês barato que cabe no meu bolso. Quando moleque eu vivia assistindo àqueles filmes noir e tudo o que eu sempre quis foi ser detevive. Silhuetas esculturais pela porta de vidro do escritório, investigar o crime organizado, se metar com os figurões de verdade. Desenhos animados incriminados injustamente. Esse tipo de coisa, sabe? Mas a vida real não são os filmes e o que acaba aparecendo de verdade são esposas infiéis, maridos paranóicos, adolescentes em fuga, animais de estimação e uma iguana incriminando o pet shop (não pergunte). E sabe o que é pior? Oito minutos pra acabar o segundo tempo e o Manchester perdendo por dois gols.

-IIirgh! Willie, eu acho que esses amendoins estão velhos! Veja, eu peguei um mofado! - O que diabos ela viu em mim?

domingo, 2 de maio de 2010

Restos

De resto só me resta
o peço que não
me esqueça.
Que não me veja,
que não me ouça,
que não me salve.

Quem precisa de você?