sábado, 15 de dezembro de 2012

Festa de Pijama

 O bilhete:

 "mãe, vou dormir na casa da Isadora pra uma festa de pijama.
  Lá vai estar a Gabi, a Bruna, a Thaís, a Lessa, a Flávia, a Nata, a outra Bruna e a Gi.
  Vamos comer pipoca, ouvir Los Hermanos e assistir 'Perfume de Mulher'.
  Ligo pra dizer que está tudo bem.
  Chego em casa de manhãzinha. A mãe da Gabi quem vai levar."

 Foi pra roda de samba.
 Dançou todos os amores. Tombou todos os temores.
 Cantou a vida pra noite e abraçou os vícios de estrada.
 Deu coices com a língua. Deitou em ombros estranhos.
 Chegou em casa de manhãzinha

 leve, tão leve.

domingo, 2 de dezembro de 2012

e a roda continua a girar

(resposta a Reflexão Sobre Latidos Noturnos)

  Não sou mais o cão vadio. Não me sinto como o traste humano, personagem dúbio que mostra nobreza no momento crucial. Não mais canto os nomes delas pelos bares. Às vezes ainda sinto o bicho (cão) rondando no limiar do pensamento, mas é raro. Talvez agora o corvo tenha tomado seu lugar. Zombeteiro, dúbio ao seu modo. Mas não uiva à luta, não mostra as costela famintas, os carrapatos ou as sarnas; muito menos as cicatrizes.
  O cão tem orgulho da miséria. O corvo ri dela, mas prefere se orgulhar das penas (figurativas e literais) negras lustrosas. Agora tenho asas agourentas, posso voar até a lua e voltar, ao invés de uivar impotente a canção do fracasso.
  Ser o corvo me liberta? Ou me prende a outras coisas, outros símbolos?

  O cão está preso ás sarnas, o corvo ao negro das asas.

  O que virá a seguir?
  Gato?
  Boi?
  Cobra?
  Coelho?
  Escorpião?
  A que outra pele imaginária irei encarnar depois, nessa vida de muitas vidas?
  Quando serei homem?

 (PS: esse texto me deu uma poesia, uma que finalmente eu gostei bastante e acho realmente boa. Talvez um dia coloque por aqui ou talvez guarde pra uma outra publicação em algum outro lugar)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Futuro do Pretérito




Fui cercado pelo passado
Em forma de livros
O cerco se fecha à minha volta
Composto de amigos e inimigos

Um passado
Às vezes exaustivamente
vívido e revivido
Outras vezes mal lembrado
E, ainda outras, inédito.

Um passado do futuro
Já que tudo um dia
vai ser passado

Vivo o presente pelo momento
em que vai se tornar passado
“Vai”.Verbo no futuro.
Porque agora já passou.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

pra não fechar a conta



Espalharam-se os cigarros
que, mesmo amassados,
tinham seu gosto
(amargo).

Só não compro carro
porque não sei
aonde te levar.
Não te chamo pra uma dança
porque não conheço os passos
nem teno jogo de cintura.

Mas escrevo em rascunhos
o que não quero dizer na cara.
O papel branco é mais fácil
que te olhar de frente.

A volta pra casa
é sempre mais difícil
que achar agasalho
pro inverno.
Mais preciosa que
migalhas pro faminto,
que a faca pro jagunço.

No bucho
levo a falta de ar
e dois litros de cachaça,
sem falar na rapadura
e a doçura do adeus.

Retira à parte que lhe cabe
e eu me recolho à insignifância:
retorno à vida boa
de bebedeira e comilança.

Só me dá outro poema
antes da distância.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poesia de Merda (Para Ela)

Tenho um verso pronto.
O resto que sai é bosta.

Talvez
eu deva fazer
odes à merda
que dá rimas
menos doídas
que as dela.

Se pudesse, assim faria.
Escrevia à merda.
Madava à merda..
Me afogava em escremento.

Por me fazer de jumento
eu te culpo.
Não pelo copo quebrado,
nem pelo cinema maiado,
ou pelas palavras perdidas,
ou cigarros comprados.

Quando morrer
vou pedir a São Pedro
para voltar como pombo
só pra cagar em você.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Garrafas Vazias


De todos os abandonos,
O mais suave foi aquele beijo.

De tudo que deixei pra trás
o mais fácil foi aquela guimba
com a brasa ainda acesa.

De todas as suas palavras,
as que esqueci foram as minhas:
escritas em papel pardo
que você nunca quis ler.

Uma gaita toca, só,
aquela música velha
que eu cansei de ouvir.
Sem mudar uma linha,
Sem mexer um dia

Sem querer se foi
pra bem perto
sem querer se vai
pela mesma sina.

Se não sei tocar, te faço poesia.
Se não sei rimar, invento uma cena boa.
Se não sei perder, vou embora pra outro lado.

Só levo comigo o seu suspiro.
Deixo o sol daquele encontro.
Deixo o tempo correr, se for.
Deixo o chapéu pendurado,
as calças passadas:

Se tiver que esperar, espero.
Faço companhia pras garrafas vazias,
pras estantes cheias,
pros dias a meio,
pras horas inteiras.

Vi o sol nascer da calçada,
fugindo da ressaca de outra noite sem ti
e soube que seria assim agora.
Não precisa mais trazer o meu barbeador,
se você lembrar.
Não precisa reler os nossos destinos
se a curva torta me trás de volta.
Não preciso ir embora, se não quiser.
 
Aquela guimba,
Eu voltei pra buscar.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Das Minhas Conversas com Boxeadores Mortos


Primeiro, a cor azul.

Dos calções.
Das luvas.

Depois o som. Azul.

Do metrô.
Da música.

Por último, o espírito.

Morto e atormentado.

Carrego em mim
não a força,
não os punhos.

costas curvas,
olhos turvos,
humor escuro.
Um dia puto.

Repito os rounds:
hematomas perenes.
Ciclo interminável
de fechar feridas,
pra abri-las em seguida.

Beijo a lona,
antes de ti.
Apesar de ti.

Por sua causa.

Aceito a revanche,
se ganhar.
Só pra perder depois
e de novo.

Já entreguei os pontos.

domingo, 6 de maio de 2012

Destino de Pedra


Ao segurar a calda do tigre,
não largue.
Deixe que devore
pele
rosto
peito
mangue
(pântano raso do sentido torto,
fedor do denegrir reciclante dessa boca podre)

Pobre de mim!
Pobre de mim?
Pobre de ti!

Que não vê beleza no feio!
Torce o nariz,
entope o que digo,
entorpe os sentidos
pra dizer o que quer.
Entorta a latrina de tanta merda.
Retorce os caminhos pra não encontrar com os meus.

Não se esforce:
cruzamos no mesmo páreo,
bebemos no mesmo bar,
da mesma fonte.

E a poesia
é só uma noite desgraçada regada a whiskey.
Arrependimentos das perguntas regradas,
repetidas pelos erros do “sim”.
Carne morta da alma escrota,
som das agonias,
silêncio dos dias.
Enfim,
o destino de pedra.

domingo, 22 de abril de 2012

Musa


Se dançasse comigo de novo,
Arlequina,
seria minha:
dor.
A que passou já não dá frutos
e o que ficou não amarga a boca.

Me magoa.

Despedaça o que resta,

cospe o que for.

Pede um trago emprestado
(de pinga, de cigarro)
e não devolve
(meus discos, meus livros).
Deixa comigo
todos os beijos perdidos
na memória dos amores distantes.
Reveste de fumaça azul
as juras feitas à lua
e passa outra noite insone.

se me beijasse mais uma vez
se se deitasse mais uma vez
se me deixasse mais uma vez

mil noites de versos teriam meus sonhos
todos com o seu nome.

Daquele amor
Restou um fatasma,
fantasma de poesia morta.

Solidão, não saudade.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O Puto do Cão


Não há lobo em mim.

Um vira-latas de pêlos cor-de-cinzas,
mal barbeado, algumas cicatrizes.
Finge que é grande, finge que é dor.
Me morde o braço pensando que é pata.
Remói a memória dos uivos passados
como um roer incessante de ossos magros.

É a única inspiração.

Já não grita a madrugada: se vira.
Já não canta a boemia: amarga.
Regurgita o dizer indigesto
pra canibalizar, em seguida, o resto.

Teme a lua acima de todas as coisas.
Mostra os dentes, cospe e rosna.
Não ladra nem morde.

Mágoa ou amor, não importa:
é medíocre o que sente. Sinto.
A pequenez dos nossos medos
que mostra os segredos.

De nós. De mim. De ti.
De dois e de dó,
ou qualquer outra nota
que faça, só.

Aguarda o rancor
e resguarda o sabor
da noite passada.
Alinha os dentes,
afia as garras.
Ao reler o passado,
retoma a estrada.

Mas continua cão com sarnas.