quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Primeira Parte - O Viajante Sob Tempestade

A noite era de tempestade. O dia havia sido claro, sem nuvens e levemente frio, apesar de o sol ter estado visível o tempo todo. Durante todo o dia as pessoas trabalharam; no cuidado com a terra, na alimentação de porcos ou bois e galinhas. Mulheres cozinharam, cuidaram dos filhos e mantiveram a casa limpa, enquanto homens construíram pontes ou restauraram as que estavam danificadas e carregaram pesados sacos de grãos para depósitos e buscaram água e trocaram mantimentos. Havia sido o primeiro dia de inverno, apesar de o frio ainda não incomodar. Mas a noite era de tempestade.
Nuvens negras surgiram no céu como que saídas do nada assim que o sol começou a sumir nas montanhas do oeste. Quando a lua encoberta era a única luz no céu negro, as nuvens lançaram chuva e granizo, assustando animais, destruindo telhas e telhados e mantendo qualquer um que pudesse caminhar à noite em casa, onde as lareiras queimavam e soltavam fumaça. E todos os moradores de Mediana ficaram contentes em permanecer em seus lares.
O som de cascos foi abafado pelo barulho da chuva que caía com força no chão e da água que escorria pelos dutos e calhas, então os guardas do portão não ouviram o estranho que chegou coberto por uma capa pesada e montado em um grande cavalo castanho. Como era noite, os portões estavam fechados e o estranho simplesmente esperou que algum vigia percebesse a sua chegada. Mas a chuva, o frio e a noite é capaz de tornar os guardas desleixados e ninguém notara o cavaleiro solitário à espera de abrigo da chuva, frio e noite.
O viajante logo se impacientou e bateu com o cabo da lança que carregava contra portão da cidade. Os vigias, surpresos por alguém pedir entrada em Mediana àquela hora da noite e no meio de uma tempestade, acabam por se demorar deixando o viajante ainda mais impaciente. O cavaleiro então tirou uma trombeta de dentro da sua capa e tocou uma nota clara, mas ainda assim capaz de ser ouvida a muitas léguas de distância.
- O que é isso? Quer acordar a cidade toda com essa coisa? - Pergunta o guarda que fora ao muro ver quem batia no portão.
- Se for preciso para que abram o portão e me deixem entrar, sim! - Respondeu uma voz firme de homem e o estranho moveu sua cabeça para ver o guarda, que o fitava da muralha acima.
Por um momento o guarda não fez nada. Apenas ficou parado, olhando aquele homem estranho montado em um cavalo enorme que aparecera no meio da noite. Via-se que era alguém alto, de ombros largos. A lança que usara para bater no portão estava na mão esquerda e a trombeta branca, na mão direita. Era possível perceber a forma de um escudo empacotado em um manto, pendendo na sela. “Esse pode significar encrenca”, pensou o guarda, mas não fez qualquer menção de espantá-lo.
- Como é! Vão me deixar entrar ou terei que esperar até o amanhecer para encontrar um lugar seco? - Disse o estranho depois de bufar impacientemente.
- Até o amanhecer? Ora! Se você não puder entrar agora como vai entrar ao amanhecer? - Perguntou o guarda, pensando ser muito esperto. Mas o cavaleiro apenas suspirou, cansado, e seu cavalo pateou o chão.
- Porque, meu caro vigia, ao amanhecer vocês abrirão os portões, como fazem todos os dias, para que comerciantes possam entrar e sair com suas mercadorias e para que os agricultores da região possam comprar os mantimentos para o inverno e, no meu caso, para que os viajantes possam entrar e se secar depois de uma noite pouco hospitaleira na chuva.
O guarda ficou novamente em silêncio. Não sabia o que fazer. Não era permitida a entrada de estranhos à noite, mas não faria qualquer diferença impedir o homem de entrar, se ele entraria de qualquer forma quando os portões fossem abertos. Era difícil decidir e o guarda manteve-se imóvel, pensando. Antes que o viajante se impacientasse de novo, uma pequena porta, presa ao portão, range, estala e se abre. O vigia parecia tão surpreso quanto o homem que estava à chuva quando a luz de uma tocha convidava o abrigo de um teto.


-Minhas sinceras desculpas, Cavaleiro. Mantemos os portões da cidade fechados à noite, para evitar ataques de goblins. Infelizmente, isso também impede os viajantes cansados de entrarem.
O cavaleiro desceu do cavalo, que havia guiado para dentro dos portões da cidade através da portinhola. O homem que havia aberto a portinhola era velho, com os cabelos brancos e ralos e vestia uma pesada capa para se abrigar da chuva. Seus olhos eram de um azul profundo e seu rosto, bem barbeado. Trazia certa autoridade no olhar, embora fosse quase imperceptível por trás das roupas e cabelos molhados.
- Sou Sagres da casa de Melvar - disse por fim e esperou que o homem se identificasse.
Um silêncio mortal pairou sobre os dois homens e só se escutava o som da chuva batendo na madeira, acima nos muros, onde os guardas vigiavam a noite. Por um breve momento, o viajante fez menção de tirar a pesada capa e revelar o rosto encoberto pelo capuz, mas não o fez.
- Agradeço por ter me tirado da chuva e me dado a chance de dormir sob o teto quente de uma estalagem. Mas peço que me permita ocultar minha identidade por mais algum tempo. Tenho fortes motivos para isso e lhe garanto que, logo, irei me revelar para todos os que quiserem saber quem sou.
Sagres escutou aquelas palavras com gravidade, mas não demonstrou outra emoção. Manteve o olhar fixo no estranho à sua frente, os olhos azuis ilegíveis. O cavaleiro imaginou se havia ofendido o homem, mas ele nada disse sobre isso.
- Homem!Lembre-se que chega a essa cidade como um estranho, à noite. Não lhe peço a história de sua vida, nem seus motivos para chegar sob uma tempestade. O que peço é alguma identificação, seja ela qual for.
O cavaleiro pareceu prender a respiração debaixo do manto. Mas logo resolveu que Sagres tinha razão, ao menos em parte, por isso desembrulhou o escudo, atrelado à cela do cavalo e revelou um brasão, pintado na madeira.
- Sou um Cavaleiro da Ordem da Espada Branca, senhor. Venho a esta cidade em paz, isso eu lhe garanto. E, enquanto permanecer, eu juro cumprir as leis e praticar o bem. Perdoe-me a rudeza de não ter me apresentado propriamente e peço que não julgue os meus irmãos da Ordem pelo meu erro.
Os olhos azuis de Sagres pareceram cintilar e novamente, fitou o recém-chegado fixamente. “Ele sabe quem eu sou”, pensou o cavaleiro. “Talvez eu deva me revelar e as minhas intenções”. Mas antes que fizesse qualquer coisa, Sagres falou, em tom cordial.
- Saudações, Cavaleiro da Espada Branca! Você é bem-vindo, seja qual for a hora. Espero que aprecie a sua estada em Mediana. Se procura uma boa cama, fogo na lareira e uma refeição prodigiosa, sugiro que vá até a Taverna do Escudo, a melhor da cidade. Se quiser, posso guiá-lo, embora seja apenas a duas ruas para o leste.
-Agradeço sua preocupação Sagres da casa de Melvar, mas conheço as ruas de Mediana e também o caminho para o Escudo. Agradeço, mais ainda, a permissão para omitir o meu nome, por enquanto.
-Não agradeça cavaleiro, pois esse favor vem com um preço, que você ainda não conhece. Amanhã, depois do anoitecer, conversaremos e, então, tudo será esclarecido. Até lá, espero que sua estada em Mediana seja proveitosa. Descanse bem.
Com essas palavras, Sagres partiu em direção à chuva e, depois de alguns momentos, desapareceu na escuridão. O cavaleiro ficou perturbado com as implicações daquela condição, mas seguiu silenciosamente pela chuva que ainda caía, em direção ao Escudo, a melhor taverna de Medianna.

7 comentários:

  1. Qdo será o próximo capítulo?
    Gosto de ler tudo, se necessário o final antes do início, rsrsrs.

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  2. ual Hugo! Você escreve muito bem mesmo! Estou esperando pelo próximo capítulo, tente não me deixar curiosa por muito tempo hein.... rsrsrs

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  3. Como alguém precisa fazer o trocadilho infame de tiozão, lá vai.

    Achei essa história Mediana.

    Continue postando! Já possui tudo definido, ou vai fazer igual novela e responder às necessidades do público? Hehe!

    Assinei o feed, espero por mais capítulos!

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  4. sabes mais ou menos qual será a periodicidade da publicação da história? e que não respondas as necessidades do público também! ganhas o respeito dos bons leitores...

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  5. Moço!Vc escreve!!! E escreve mto bem!!!
    Quero mais!!!:)
    Espero q vc naum demore mto a postar as próximas partes!!!Fiquei curiosa e minha mente pouco imaginativa já tá aqui martelando mil e uma possibilidades do que pode vir a acontecer!!!

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  6. Quando vai começar o porradão?Gostei da história até agora, mas não fica enrolando muito se não eu perco a paciência.
    PS: Essa história tem que ter muita porrada e cerveja!!!

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  7. Como se pode ver, tens realmente uma habilidade com a escrita Hugo. O mundo que criou e a forma como o descreve são de bom gosto e agradam o leitor. Continue com a jornada o/

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