As flores de sakura caíam das árvores, criando um cenário de sonhos sob a luz da lua cheia. A doce brisa trazia os sons alegres da zona alegre da cidade, junto com o odor do sakê caro e do pó de arroz da maquiagem das mulheres.
“Não vão durar muito mais”, pensou. Já eram os idos de maio e as flores de cerejeira que rodopiavam com o vento eram as últimas do ano. “Estranho como aqui as sakura sempre escolhem o final de abril para florir.”
O homem caminhava lentamente saindo da zona alegre da cidade, em direção à área nobre. Era bonito, os cabelos bem compridos e as feições do rosto delicadas com sobrancelhas finas. Não parecia um guerreiro. Não fossem as duas espadas em sua cintura, ninguém diria ser um samurai. As espadas... E os olhos. Quem quer olhasse o rosto do homem não podia deixar de notar os olhos frios que faiscavam como lâminas negras. Havia um quê de animalesco naqueles olhos, como se não fossem humanos, mas de alguma fera primal, faminta e furiosa. Uma fera presa em pele humana.
Depois de notar os olhos, outras pistas podiam ser vistas com facilidade. O maxilar tenso e o rosto sem expressão traíam qualquer traço de gentileza que suas feições pudessem oferecer. A postura ereta como uma lança apontada para o alto mostrava a qualquer um que aquele homem não era um trabalhador braçal nem um cortesão, mas um matador experiente. E, principalmente, a forma de andar... O caminhar daquele homem era como se fosse um predador sempre à espreita, sempre pronto, sempre à espera.
“Sempre pronto”. Outro pensamento. As pessoas passavam ao seu redor, felizes. Os homens, todos ricos e de prestígio dentro da cidade, caminhavam para suas casas de prazeres favoritas, enquanto mulheres convidavam os transeuntes a entrarem e se divertirem.
O som de sandálias batendo apressadas no chão e um estranho se interpõe à frente do homem que, até então, caminhava lentamente. O estranho era alto, forte. Os cabelos raspados, o mage e as espadas na cintura indicavam claramente que era um samurai. O suntuoso kimono coberto por um haori indicavam que era rico. A falta de símbolos nas roupas significava que era um samurai sem senhor ou então um guerreiro em jornada de aprendizagem, que não poderia declarar-se vassalo de homem algum. O homem olhou sem expressão para o estranho que se interpunha em seu caminho.
- Harada Shimaru, da casa Harada, vassalo de Sakakibara Yasumasa, do clã Tokugawa! Eu, Kunimitsu Kaito, menkyo kaiden do Kaiten-ryu de Kyoto, o desafio para um duelo. – Kaito tinha a voz forte, poderosa. Falava alto para todos ao redor ouvirem. Um desafio que não podia ser recusado sem a ofensa da honra.
- Sob que pretexto? – Shimaru tinha a voz suave, quase como um sussuro. Mas havia uma frieza monstruosa nela que alcançava os ouvidos de todos com tanta eficiência quanto os gritos de seu pretenso desafiador. Os transeuntes pararam em seus passos e se afastaram. Algumas casas de prazeres fecharam suas portas às pressas.
- Sou um guerreiro no caminho da espada. Que outro pretexto poderia eu ter, a não ser o aprendizado? Se derrota-lo serei reconhecido como o homem que matou o “Ashura” de Edo.
Shimaru suspirou antes de falar. Não era sempre que alguém tomava coragem para desafia-lo em combate. Por mais que fosse um júbilo poder enfrentar um oponente, um duelo em praça pública poderia causar problemas. Principalmente na zona alegre da cidade, onde as pessoas iam para se divertir. – Não posso enfrenta-lo aqui, onde outras pessoas transitam. Derramar o seu sangue nesse lugar só traria a infelicidade das pessoas que vieram até aqui para se esquecer de seus fardos. Escolha um dia e um lugar e eu estarei lá.
Kaito pareceu se enfurecer diante da resposta de Shimaru. – Covarde! Um verdadeiro samurai não se esquivaria de meu desafio dessa forma!
Shimaru mais uma vez suspirou, resignado. – Está ciente de que enfrenta o Souke do Shini-ryu, o estilo da morte? – Shimaru se pôs em posição de alerta, sem sacar a espada. Esperava o oponente fazer seu primeiro ataque.
Kaito sacou sua katana e bufou. As pessoas que ainda restavam ao redor fugiram desabaladas. Com gritos, o desafiante se aproximava do homem à espera, pé ante pé, tentando invadir o maai do oponente. Shimaru permaneceu imóvel.
-Um ronin devia ser mais humilde em seu desafio, Kunimitsu-san. – Kaito parou ao ouvir as palavras de seu oponente. O efeito que elas causaram não podiam ser registrados, embora o rosto do desafiante tivesse ficado vermelho. Fosse de raiva ou vergonha, Shimaru não pôde determinar, uma vez que Kaito atacou com uma carga súbita usando a força das pernas.
“Hm... Um corte vindo do alto, da postura joudan. E ele se diz um menkyo kaiden? Há mais nesse estilo do que eu possa perceber.” Em movimentos fluídos e sem sacar a espada, Shimaru pisou para o seu lado esquerdo, vendo a lâmina descer onde estaria sua cabeça. No último instante, a espada de Kaito se virou num ângulo agudo, indo em direção a Shimaru. Era um ataque surpresa em velocidade espantosa.
Um brilho prateado na noite. Sangue. Um grito de dor contido.
- Como... Você...? – Kaito se esforçava para não ceder à dor e desmoronar no chão poeirento. Seu corpo do lado direito havia sido retalhado e apenas a pura força de vontade de um verdadeiro guerreiro o mantinha de pé.
- Você é lento demais, Kunimitsu-san. E seu corpo me deu todas as pistas sobre o seu ataque. – Shimaru já havia guardado a espada. O golpe fora rápido e brutal. O chamado “Ashura” de Edo não havia se sujado sequer de uma gota de sangue. Logo antes de o golpe o atingir, com velocidade inumana, aquele que parecia ser um monstro em pele humana se desviara para o outro lado ainda, seu lado direito, enquanto retalhava o tórax de seu oponente e guardava a espada num piscar de olhos.
Com um baque surdo, Kaito Kunimitsu cai ao chão, a espada ainda em punho, seus pulmões expostos. Shimaru retomou sua caminhada de volta para casa. Era realmente um demônio sem qualquer paixão humana, a não ser a sede de sangue. Era um animal vestindo-se de aristocrata. Vivia apenas para ceifar vidas humanas com sua espada agourenta.
“O administrador do distrito dos prazeres vai vir reclamar comigo amanhã.” Era uma constatação honesta, sem qualquer medo ou preocupação. Como sempre, Shimaru havia tentado lidar com a situação de forma civilizada, como manda a etiqueta, mas seu oponente tornou tudo irreversível. – É uma pena que tenha escolhido a mim para desafiar, Kunimitsu-san. Se tivesse me encontrado dois anos mais tarde, talvez eu pudesse ter tido um oponente mais desafiador.
(Conto mais ou menos antigo. Faz anos que tenho essa cena na cabeça e, ainda assim, não acho que ela esteja pronta de fato. Esse é só mais uma versão e provavelmente não é a melhor, mas é a mais apresentável).
segunda-feira, 16 de março de 2009
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Adoooorei o conto, que ainda não conhecia! Te adoro Hugolitcho da japa!!!
ResponderExcluirMto massa a cena!!! Pena q é só uma!:( Quero mais Shimaru!!!
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