segunda-feira, 23 de março de 2009

Dentro de uma caixa de papelão

(Esse é outro já pronto. Tinha até mostrado pra algumas pessoas e muitas fizeram sugestões e críticas. Essa é uma das primeiras versões revisadas, sem mudanças grossas, então algumas coisas eu ainda vou mudar, um dia. O título era um improviso e agora não consigo imaginar essa história com outro título. Garotas, por favor não levem para o lado generalista, ok?).

A campainha do apartamento soa estridente por um momento e pára. O homem aguarda por um tempo e, como não houvesse resposta, aperta o botão mais uma vez, já impaciente. Outros longos momentos se extendem e, quando a capainha já estava para ser tocada uma terceira vez, a porta finalmente se abre e o homem exclama surpreso.
“Oh!”
Uma mulher escultural pára diante da porta. Seus longos cabelos ruivos como cascatas de seda e os olhos verdes, grandes e expressivos. Ela vestia apenas uma fina camisola branca transparente que mal lhe cobria o corpo curvilíneo. A sensualidade para ela era uma coisa natural.
“Não achei que você fosse mesmo vir.”
Havia paixão em sua voz e um fogo em seus olhos. O homem respondeu com frieza excepcional.
“Eu disse que viria. Até deixei um recado essa manhã, confirmando.”
“Mesmo assim. Achei que não viria.”
“Bom, eu vim. Como disse ao telefone na terça, preciso pegar uma coisa.”
Se a mulher se incomodou com a frieza do homem, não demonstrou. Com um suspiro ela se move para dar passagem ao homem, que atravessa a porta com passos rápidos. Logo depois, a mulher fecha a porta.
“Então? Onde está?”
Pergunta o homem, olhando ao redor, para a sala de estar.
“Já não guardo o seu aqui faz muito tempo. Venha, deve estar no quarto de tralhas.”
Meio irritado, o homem segue a mulher até um quarto pequeno e com cheiro de mofo. Por um tempo ele permanece no vão da porta enquanto ela revira caixas e pilhas de revistas velhas. Aqui e lá várias caixas de sapato encardidas com nomes escritos são realocadas. Algumas fazem barulho como se tivesse muitas coisas pequenas dentro.
“Acho que é esse aqui. Dá uma olhada.”
E estende para o homem uma caixa de sapato, sem nome algum escrito nem etiqueta. Uma caixa velha e bastante amassada, mas sem nenhum cheiro estranho. O homem olha por um instante, tentando reconhecer alguma coisa. A mulher apenas boceja.
“Deixa eu ver aqui...”
O homem balança a caixa de leve, como se estivesse com medo de quebrar o que quer houvesse lá dentro. O barulho de muitas coisas pequenas se chocando com o papelão e com outras coisas pequenas. Talvez fosse vidro quebrado, mas é um barulho difícil de identificar. O homem fez um muxoxo e abriu a caixa.
“Bem, é esse mesmo. Obrigado pela sua atenção.”
E vira-se para olhar a mulher com expressão séria. Ela parecia um pouco desapontada.
“Eu preciso ir agora. Não quero tomar mais do seu tempo. Obrigado e até a vista!”
Mas a mulher fala, com a voz levemente irritada.
“Não é certo, sabe? Você tinha me dado, oras. Não é certo tomar presentes que já foram dados e você sabe disso.”
O homem fica boquiaberto, meio surpreso e meio irritado.
“Bom, você não está usando ele pra nada, não é? Olha só onde ficava guardado!”
“Ainda assim. Você tinha me dado...”
“Eu expliquei ao telefone, não expliquei? Eu preciso dele agora. E veja o estado que você o deixou!”
O homem abre a caixa e mostra para a mulher, que fita inexpressiva. Ele a balança para enfatizar o que dizia.
“Você tem idéia do trabalho que vai dar pra remendar isso tudo?”
O homem estava impaciente, como se a mulher tivesse tocado um ponto delicado, uma mágoa ainda não curada. Ele segurou alguma coisa que parecia um caco de vidro muito delicado e de cor levemente avermelhada.
“E ainda tem muitos pedaços faltando! Vou ter que improvisar pra repor!”
“Eu me lembro muito bem do que você disse quando me ofereceu! Muito bem!”
“Isso não era justificativa para quebrá-lo!”
“Você disse: ‘Querida, é seu para fazer o que quiser.’”
O homem estava quase vermelho de raiva e a mulher parecia exasperada. Os dois se olharam por mais alguns segundos, os olhos soltando faíscas.
“Essa discussão não vai levar a lugar nenhum. O que terminou, terminou. Só preciso disso pra seguir em frente. Agora eu preciso ir. Eu realmente preciso ir. Tenho um compromisso com... Com outra pessoa.”
“Bom, vá em frente! Quem sou eu pra te fazer perder um compromisso importante com alguém especial? Você já veio aqui o suficiente pra saber onde fica a porta.”
E a mulher entrou em um outro quarto, maior, mais limpo e luxuoso que o quarto de tralhas e bateu a porta. O homem fechou a caixa com cuidado e foi em direção à sala de estar, por onde havia entrado. Na sala, ele pára para observar melhor a nova decoração. Imaginou de que homens cada peça havia sido presente e as imaginou quebradas e esquecidas no quarto de tralhas. Ele nem sabia por que ela guardava tantas daquelas coisas, que não precisava mais. Talvez como troféus? Ou quem sabe para que cada um dos homens voltasse para reclamar o que era deles por direito? Ele suspirou e saiu pela porta destrancada. Não importava mais quem havia entregado o seu para aquela mulher. Ele já tinha recuperado os pedaços do próprio coração e estava satisfeito. Vida nova, coração remendado. O que lhe importava os corações de homens anônimos na vida de uma mulher?

3 comentários:

  1. Hugo, estou me surpreendendo, não sabia que era escritor e muito menos que era um ótimo escritor! Parabéns, lindo conto, muito bem escrito! Abraços!

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  2. São só rabiscos e enrolações.
    HAHAHA!
    Agradeço a atenção e os comentários!

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  3. Nussa!!!Como vc escreve bem!!! Esse conto seu doeu lá na alma!!!
    Vc disse pra naum generalizar, desculpa, mas não posso deixar de postar aqui que infelizmente seu conto descreve perfeitamente a miséria humana!!! Homens e mulheres que não conseguem amar e nem entender o que é isso tamanha a cegueira provocada pelo orgulho e egoísmo em que seus corações estão mergulhados!!!

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