Acho que foi a primeira vez que perdi o fôlego sem levar um soco no estômago ou cair de costas no chão. Não sei explicar bem o que me roubou o ar. Talvez fossem aqueles olhos verdes ou os cachos dourados. Quem sabe, ainda, alguma outra força invisível e irresistível decretando que aquela menina, e nenhuma outra, ia tirar o meu fôlego.
Aos sete anos, temos idéias bem concretas a respeito das pessoas e de como o mundo funciona. Eu, por exemplo, sabia que o Brasil seria Tetra Campeão naquele ano de 1990, que o rosa era cor só de menina, meu irmão mais novo era um saco e só servia pra bucha de canhão e meu cachorro era um lobisomem disfarçado. Sem contar, é claro, que meninas eram a coisa mais besta do mundo inteiro. Elas eram meio fracotes, não gostavam de brincar de lutinha, preferiam jogar queimada a futebol e tinham medo de bodes e insetos.
Então como aquela menina, que tinha medo dos grilos verdes que eu pegava com a mão, podia me tirar o fôlego daquele jeito? Era uma coisa de doido. Eu sentia um troço no peito que parecia uma pontada e a barriga virava gelo toda vez que lembrava do verde dos olhos dela. Minha boca ficava seca e a garganta fechava toda vez que eu pensava naquele nome que era tão doce. Carol.
Logo o meu dia-a-dia mudou. De manhã, ao invés de assistir Caverna do Dragão e fazer os deveres, ficava lá parado. TV ligada, olhar num infinito perdido e aquele suspiro que até dói em quem vê. Na escola é claro que a falta dos deveres foi notada, bem como aquele olhar de idiota quando os olhos ficam meio caídos, fechados e abertos ao mesmo tempo, olhando pro sonho e pra realidade. Eu não conseguia esconder dos outros a mudança.
Foi aí que começaram a tentar descobrir o que estava acontecendo. A professora perguntava se tinha acontecido alguma coisa em casa e a família perguntava a mesma coisa da escola. E todos ficavam: “Mas Hugo! Você não está bem! Está triste? Brigou com alguém?” Só que era difícil explicar... Como dizer que aquilo não era tristeza? Que todo momento era solitário só porque eu sabia, agora, que a Carol existia e a minha mão estava longe da dela? E mesmo que estivessem bem perto meu coração ia pular do meu peito, atravessar a minha garganta e cair no chão feito um peixe louco.
“Não gente. Eu tô bem.”
“Hugo Morelo... Não enrola!”
“Ah... É que tem uma menina. Acho que tô gostando dela.”
Pronto. Comoção familiar. Todo mundo agora sabia como lidar com a situação, tinha opinião, experiência, caso pra contar. Coisa mais sufocante, medonha! Tinha medo daquela atenção. Só queria ficar lá no meu canto com meus suspiros, mas não deixaram. Queriam me ajudar a resolver a paixonite a meu favor.
“Ela sabe que você namora ela?”
“Mas eu não namoro ela...”
“Você já falou pra ela que gosta... Hugo, porque ficou branco de repente?”
“Ao menos vocês brincam? Conversam?”
“Não... Ela senta do outro lado da sala.”
“Devia ir lá falar com ela então. Chama ela pra conversar.”
“Ele devia era roubar um beijo!”
“Gente! E se comprássemos roupas nova pra ele?”
“Já pensou em impressionar ela? Assim, faz um gol e fala que foi pra ela!”
Mas eu não era bom em futebol. Também não sabia desenhar, nem fazer origami. Eu só era bom em pique-esconde e em inventar histórias. Então resolveram lá que a melhor abordagem era eu dar um chocolate e dizer que gostava dela. E quer saber? Não me pareceu nada mal. Podia mesmo dar certo.
No dia seguinte, a hora da verdade. Me arranjaram um prestígio, pentearam meu cabelo e me deram boa sorte. Na escola tudo ficou estranhamente lento. O plano era chamar ela pra lanchar comigo no recreio, mas fingi que queria brincar e deixei o chocolate escondido no fundo da lancheira. Despenteei os cabelos de tanto correr e gritar e voltei pra sala fingindo me lamentar do intervalo curto e que não deu tempo de comer junto com ela. Durante a aula, me vinha um nó entre a garganta e o peito toda vez que virava a cabeça em direção à Carol. Tinha medo que ela me descobrisse ali, à espreita. Mas jurei, em nome de toda a coragem que pude encontrar, que não ia deixá-la escapar no fim da aula.
Quando o sinal bateu eu achei que meu coração podia ser ouvido lá na China. Enrolei enquanto todos saíam e ela ficou lá arrumando o material, enquanto a sala ia esvaziando e só restava nós dois. Os ouvidos latejavam junto com o peito. Reuni tudo o que tinha em mim e, quando ela virava o rosto para a mochila, deixei lá a barra de prestígio. Na carteira dela. Não falei nada e saí antes que ela pudesse ver o chocolate dando sopa. A alma doendo, sem saber se arrependia ou aliviava.
Em casa não deixaram que eu fugisse. Mal cheguei e perguntaram, ansiosos:
“E aí? Conversou com ela? O que ela disse?”
“Nada...”
“Uai, nada? E o chocolate?”
“Comi.”