quarta-feira, 13 de abril de 2011

Destino

O seguinte conto é o segundo de uma série de narrativas descontínuas. A primeira parte se chama A Batalha do Cavaleiro Branco e foi publicada aqui.

A noite se espalhava para além do horizonte negro, estrelas cintilantes cobrindo o céu sem lua. Do alto da montanha era possível esticar a vista para formas misteriosas, mesmo sob a escuridão. O homem que se sentava diante da fogueira olhava fixamente para o Sul, perdido em algum pensamento ou memória enquanto a dança das chamas faziam sombras estranhas em seu rosto, que lhe conferiam expressões doídas de arrependimento.

O vento incessante parecia gemer, como se fosse o grito de sofrimento dos mortos em um campo de batalha ainda encharcado de sangue. Do outro lado da fogueira, uma sombra encapuzada se protegia do frio e um par de olhos escuros faiscavam com a parca luminosidade. Havia algo naquela figura envolta em mantos que dava a impressão de reverência, como se a própria noite se curvasse à sua presença.

-Por que busca Destino? - A voz não passou de um sussurro que, de alguma forma, atravessou o vento gélido, e soou como o crocitar de um corvo. Um corvo muito velho. O homem, que já havia visto morte e carnificina, enterrara amigos e inimigos e vivido pela proeza do braço da espada, sentiu um frio percorrer-lhe a espinha e sabia que não era por causa do vento.
- Eu busco mudar o destino. - Respondeu o homem, monótono. Voltou o olhar para a figura sombria, as chamas dando aparência endurecida para o rosto.
- É o que todos querem. - Replicou o grasnar de corvo com desprezo e a figura se aproximou da fogueira, revelando, ao contrário da impressão de velhice e decreptidude, um rosto jovem de uma mulher atraente, de longos cabelos negros olhos verdes que nunca piscavam.

- Eu busco tomar as rédeas do meu próprio destino. - Insitiu o homem. A mulher ficou em silêncio por alguns instantes, observando aquele que ousara proferir palavras tão corajosas. Imaginou se ele tinha idéia do significado daquela declaração.

- Qual o seu nome?
- Hutlhor.
- Hulthor apenas? Nenhum título, terra-natal ou família?
- Nenhum que eu reivindique agora. - Respondeu resoluto, sustentando o olhar da mulher. Agora que via o rosto, a voz não parecia mais o grasnar de um corvo, mas um tom macio e ao mesmo tempo rouco. O fogo deu a impressão de que a mulher sorria discretamente com o canto dos lábios, um sorriso indecifrável, secreto, mas quando ela se mexeu para apanhar algo de dentro do manto poído, o jogo de sombras varreu qualquer vislumbre dos lábios.

Hulthor se levantou, como se desafiasse o vento, a fogueira e a própria noite. E dessa vez sua voz trovejou com determinação beligerante, os olhos cinzentos se tornaram o reflexo de uma tempestade.

- Se o destino é rígido e imutável como dizem os sábios da Ordem Branca, que me ensinou e treinou para a cavalaria, então um homem pode lançar-lhe os punhos. - O olhar de Hulthor novamente se voltou para o Sul e a mulher o observava com atenção. - E eu seria capaz de fazer isso. Agarraria o destino pelos cabelos e o golpearia no rosto de pedra até que fendesse. Se o destino não é capaz de se dobrar, então eu o despedaçarei.

A mulher inclinou o tronco para frente, interessada no guerreiro que se levantava para bradar à noite. Sua mão direita saiu de dentro do manto e se estendeu diante do fogo segurando uma pequena bolsa de couro que não era maior do que um punho. E com a voz de donzela, proferiu com solenidade.

- Muito bem, Hulthor, sem títulos, terra natal ou família. Hulthor, que abandonou a Ordem Branca. Hulthor sem destino. Vou lhe revelar os segredos que os sábios cegos não compreendem. Vou lhe contar sobre Destino.

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