Um cigarro,
filho mais novo e, portanto, mais protegido, coçava no fundo do bolso. A chuva
era sentida, antes de ouvida, num esparramar de lágrimas doces que se perdiam
na enxurrada próxima. E talvez as lágrimas dessa estirpe devam ser deixadas
pra enxurrada mesmo, pra ser levadas pro esgoto, pro rio e pro mar e só então
ficar salgadas.
A cerveja
estava gelada, mas a pinga é que fazia o caso: pra esquentar as tripas e soltar
a língua. Ele fingia que não tremia; ela fingia que não via. Tinham trocado os
pormenores da vida naquele encontro acidental. Quem casou, quem se foi, quem
arranjou emprego na padaria, quem seguiu em frente. Falaram dos dois, do que
tinha sido, do que tinha ficado, de quem tinha passado.
Haviam se esbarrado assim, num acaso de Maio. Na
chuva de surpresa (seria surpresa mesmo?) ele correu pro bar mais próximo.
Antes de pedir uma cerveja a viu lá, sozinha. Como ele esperava o aguaceiro
baixar pra pegar o ônibus em segurança. Se sentaram juntos, de frente um pro
outro. Falavam dos tempos de outrora, da época de ouro, de quando eram
calouros.
- Lembra da
primeira vez que a gente saiu?
- Lembro.
Foi no parque. Você já me enrolava desde o início do semestre.
- Então.
Lembra da gente sentado na beira do laguinho e do sol?
- Não
lembro de tudo...
- Enfim.
Nem eu. Mas eu lembro do beijo.
- Que
beijo? Nosso primeiro beijo?
- É. Lembra
de como você me olhou? Do que eu falei do verde dos seus olhos?
- Disso eu
lembro... – já meio sem ar, corada. Mas ela corava fácil. Era daquelas pessoas
que ficava rosa com o mínimo de sugestão emotiva.
- Então. Eu
não lembro direito.
- Como
assim?
- É. Não
lembro mesmo. Esqueci completamente dos seus olhos, sabe? – Saboreou o triunfo
por uns segundos curtos. A confusão dela era inebriante. – Mas lembro é de
outra coisa.
- Ah, é? Do
que, então?
- Lembro do
seu suspiro. Meio que um alívio, meio que uma dor. Um treco sonoro, mas leve,
sutil.
- Eu não
lembro...
- Eu sei
que não. Porque aquilo é uma coisa sua que eu peguei pra mim. Só pra mim, sabe?
A chuva
passou. Ele esperou que ela entrasse no ônibus e pediu que avisasse que chegou
em casa bem. Sempre pedia aquilo. Prometeram se encontrar de novo, pra um
cinema.
Não se
encontraram mais.
Os olhos sempre verdes, parecem uma lagoa de mijo
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