sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os Idos de Maio



            Um cigarro, filho mais novo e, portanto, mais protegido, coçava no fundo do bolso. A chuva era sentida, antes de ouvida, num esparramar de lágrimas doces que se perdiam na enxurrada próxima. E talvez as lágrimas dessa estirpe devam ser deixadas pra enxurrada mesmo, pra ser levadas pro esgoto, pro rio e pro mar e só então ficar salgadas.
            A cerveja estava gelada, mas a pinga é que fazia o caso: pra esquentar as tripas e soltar a língua. Ele fingia que não tremia; ela fingia que não via. Tinham trocado os pormenores da vida naquele encontro acidental. Quem casou, quem se foi, quem arranjou emprego na padaria, quem seguiu em frente. Falaram dos dois, do que tinha sido, do que tinha ficado, de quem tinha passado.
            Haviam se esbarrado assim, num acaso de Maio.  Na chuva de surpresa (seria surpresa mesmo?) ele correu pro bar mais próximo. Antes de pedir uma cerveja a viu lá, sozinha. Como ele esperava o aguaceiro baixar pra pegar o ônibus em segurança. Se sentaram juntos, de frente um pro outro. Falavam dos tempos de outrora, da época de ouro, de quando eram calouros.
            - Lembra da primeira vez que a gente saiu?
            - Lembro. Foi no parque. Você já me enrolava desde o início do semestre.
            - Então. Lembra da gente sentado na beira do laguinho e do sol?
            - Não lembro de tudo...
            - Enfim. Nem eu. Mas eu lembro do beijo.
            - Que beijo? Nosso primeiro beijo?
            - É. Lembra de como você me olhou? Do que eu falei do verde dos seus olhos?
            - Disso eu lembro... – já meio sem ar, corada. Mas ela corava fácil. Era daquelas pessoas que ficava rosa com o mínimo de sugestão emotiva.
            - Então. Eu não lembro direito.
            - Como assim?
            - É. Não lembro mesmo. Esqueci completamente dos seus olhos, sabe? – Saboreou o triunfo por uns segundos curtos. A confusão dela era inebriante. – Mas lembro é de outra coisa.
            - Ah, é? Do que, então?
            - Lembro do seu suspiro. Meio que um alívio, meio que uma dor. Um treco sonoro, mas leve, sutil.
            - Eu não lembro...
            - Eu sei que não. Porque aquilo é uma coisa sua que eu peguei pra mim. Só pra mim, sabe?
            A chuva passou. Ele esperou que ela entrasse no ônibus e pediu que avisasse que chegou em casa bem. Sempre pedia aquilo. Prometeram se encontrar de novo, pra um cinema.
            Não se encontraram mais.

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