Quando ele se despediu, ela chorou. Ficou triste, não quis mudar. Queria que as coisas continuassem como sempre tinham sido, a mesma distância (próxima), o mesmo beijo (de língua), o mesmo cigarro (mentolado). Ele ouviu o ecoar de profecias antigas: "mulheres chorarão por você" e seguiu, sabendo que cumpria seu destino.
O ano passou e o carnaval matou todas as vontades, deu espaço pra todas as maldades e maldizências, alimentou todas as verdades, com todas as máscaras. (Porque carnaval é tempo de vontades, maldades e maledicências, de verdades mascaradas). A distância era parca, os beijos eram soltos e o cigarro era doce, mentolado.
Ela seguiu em frente, abriu espaço na vida, fez a própria folia e cantou na sua festa. Tinha o mesmo nariz alongado, as mesmas covas de felicidade nas bochechas, o mesmo castanho nos olhos. Mas o brilho era outro: de tempo que passou, de noites sem estrelas, de dias sem bandeira, de porres, estrada encarquilhada e bem seguida. Tinha um brilho seu. E ele viu que seus carnavais já não eram os dela, que o seu beijo tinha gosto de outra. Ela não fumava. Soube, então, que a vida tinha lhe feito bem, que ela tinha seu lugar sem ele.
Não chorou (mas devia, como devia) a falta de falta que tinha feito. Seus carnavais ainda eram os dela.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Os Idos de Maio
Um cigarro,
filho mais novo e, portanto, mais protegido, coçava no fundo do bolso. A chuva
era sentida, antes de ouvida, num esparramar de lágrimas doces que se perdiam
na enxurrada próxima. E talvez as lágrimas dessa estirpe devam ser deixadas
pra enxurrada mesmo, pra ser levadas pro esgoto, pro rio e pro mar e só então
ficar salgadas.
A cerveja
estava gelada, mas a pinga é que fazia o caso: pra esquentar as tripas e soltar
a língua. Ele fingia que não tremia; ela fingia que não via. Tinham trocado os
pormenores da vida naquele encontro acidental. Quem casou, quem se foi, quem
arranjou emprego na padaria, quem seguiu em frente. Falaram dos dois, do que
tinha sido, do que tinha ficado, de quem tinha passado.
Haviam se esbarrado assim, num acaso de Maio. Na
chuva de surpresa (seria surpresa mesmo?) ele correu pro bar mais próximo.
Antes de pedir uma cerveja a viu lá, sozinha. Como ele esperava o aguaceiro
baixar pra pegar o ônibus em segurança. Se sentaram juntos, de frente um pro
outro. Falavam dos tempos de outrora, da época de ouro, de quando eram
calouros.
- Lembra da
primeira vez que a gente saiu?
- Lembro.
Foi no parque. Você já me enrolava desde o início do semestre.
- Então.
Lembra da gente sentado na beira do laguinho e do sol?
- Não
lembro de tudo...
- Enfim.
Nem eu. Mas eu lembro do beijo.
- Que
beijo? Nosso primeiro beijo?
- É. Lembra
de como você me olhou? Do que eu falei do verde dos seus olhos?
- Disso eu
lembro... – já meio sem ar, corada. Mas ela corava fácil. Era daquelas pessoas
que ficava rosa com o mínimo de sugestão emotiva.
- Então. Eu
não lembro direito.
- Como
assim?
- É. Não
lembro mesmo. Esqueci completamente dos seus olhos, sabe? – Saboreou o triunfo
por uns segundos curtos. A confusão dela era inebriante. – Mas lembro é de
outra coisa.
- Ah, é? Do
que, então?
- Lembro do
seu suspiro. Meio que um alívio, meio que uma dor. Um treco sonoro, mas leve,
sutil.
- Eu não
lembro...
- Eu sei
que não. Porque aquilo é uma coisa sua que eu peguei pra mim. Só pra mim, sabe?
A chuva
passou. Ele esperou que ela entrasse no ônibus e pediu que avisasse que chegou
em casa bem. Sempre pedia aquilo. Prometeram se encontrar de novo, pra um
cinema.
Não se
encontraram mais.
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