segunda-feira, 13 de julho de 2015

Verão

No raio de sol, a viagem é mais limpa.
Não tem a sujeira do armário velho,
poeira sobre a casca do escaravelho,
ou a cozinha manchada de tinta.

Sem os fantasmas, o assombro é outro:
no vermelho do horizonte distante
alcançado para além do sextante
onde montanhas a beijar o Poente.

Não é da boca que sai a paixão:
calada a caneta, rabisca perene.
Assume o papel de língua esperta
esgrime contra o peito deserto.
     
Te quero desperta.
Pra ouvir o som mudo da chuva,
se vestir de trovão na manta,
soprar terremotos no ventre.

Nem que seja pra não sentir frio,
mesmo que passe pela rodovia em curva,
apesar dos desvios em nossos destinos.
     
Escrevo cartas silenciosas
carregadas por pipas ao vento.
Meu relógio parou faz uma hora
e não sei se você volta.

É como o passar das estações
quando o inverno aguda o verão.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Capuz de Bandido

Agarrava minha mão com força,
beijava de mordida armada,
não perguntava se era amada.
Desmontava a minha cerca.

Jogava póquer se apostando.
Trancava a porta e sumia,
se jogava da janela quando
enjoada do som da boemia.

Não penteava os cabelos,
esquecia pra trás os chinelos,
e me matava de desespero
com seu amor efêmero.

Eu, que sou dos meus silêncios,
que nunca saí do lugar, reverencio
esse espírito de fogo livre
saído d'um sonho que tive.

Agora me esquece, indolente,
como se eu fosse carnaval.
Sai em busca do vendaval
deixando a mesa, inadimplente.

Agora me leva, temerária
à borda do despenhadeiro:
me ameaça, usurária,
por ti viro bandoleiro.

Assaltar as estradas cruas,
dedos soltos, mãos nuas
pra resgatar pedaço mofado:
esse meu peito inchado.

Feito cadáver no deserto
devoro vermes de areia
só pra te converter a atéia:
me expulsa de peito aberto