São os cães, vira-latas, em uníssono desacordo, quem chamam a solidão.
Ao clamar pela Lua, em desespero e paixão, declaram-se irremediavelmente solitários e, ao fazê-lo, tornam impossível qualquer mudança para o contrário. Uivam, gritam, chama e sofrem pelo inalcançável: a Lua. Se rebaixam, ao se considerar de uma estirpe inferior e, portando, fadada a uivar e rastejar pelo objeto de desejo. É o distanciamento, produzido e nutrido pelos próprios cães, que os rebaixa, humilha e faz sofrer para sempre a dor da separação... A perpétua solidão... O vazio, vácuo do espaço sideral que separa cães e Lua.
O que falta aos cães? Será a astúcia para atravessar o espaço negro até a Lua? Ou os meios para realizar tal empreitada? Ou será a coragem e a ousadia?
Àqueles acostumados a uivar, enfurnados em sua tristeza, paralizados pela falta que não é preenchida, é impossível mover na direção da luz, sublime e prateada. A separação e o luto são por demais cômodos; é como se a ascensão fosse uma medonha transformação e a busca por isso fosse a mais dolorosa das provações. Tal é o pavor dos cães diante da possibilidade de alcançar a luz. Um pavor tamanho que só pode ser igualado à dor da distância e da falta da Lua.
A própria Lua, em sua palidez fria, parece não ouvir os uivos em desespero. Age como se fosse incapaz de notar os pulguentos aos seus pés; como se fosse incapaz de se mover de seu lugar no céu. Mas essa é a mais cruel das mentiras: a Lua ouve cada ganido desesperado por atenção e pode, a qualquer momento, se aproximar ou se afastar, porém, deliberadamente, não o faz. Se mantém imóvel, distante, mas à vista. Não demonstra nada, mas só pode se regozijar com o sofrimento que causa. Afinal, por que outro motivo permitira o desespero de tão barulhentos carentes? Talvez sinta pena ou orgulho por ter tantos admiradores. Mas não creio. Crer em tal faria da Lua uma vaidosa fútil. Embora haja um toque sombrio de vaidade em sua luz, nada há de fútil na Lua. Há, isso sim, um prazer sinistro na cacofonia de solidões que alimenta a pureza da luz.
E de tudo sabem os cães! Não são idiotas, afinal de contas. Sabendo da triste realidade a que estão confinados, uivam à Lua, em um misto de solidão, sofrimento e clamor por ajuda. E a Lua, fria e prateada, se abstém.
Bar do Valle, 21/Dez/2009
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